Há uma década a data não era festejada na cidade
Considerando o sincretismo presente na religiosidade do povo brasileiro, o feriado nacional do dia 8 de dezembro, dedicado à Nossa Senhora da Conceição, também é comemorado pelas religiões afrodescendentes. Os fiéis e adeptos dessas religiões comemoram o Dia de Iemanjá , a “Rainha do Mar”. Ela é uma das divindades mais queridas de religiões como a Umbanda e o Candomblé.
Visando o resgate dessa tradição religiosa para o povo, a Prefeitura Municipal de Cabedelo, por intermédio das Secretarias de Assistência Social (Semas) e Cultura (Secult), se engajaram para criar os festejos em homenagem à Rainha do Mar, que aconteceram nesse domingo (8).
Embora Cabedelo seja uma cidade praiana e o culto a Iemanjá esteja enraizado em sua história, com o passar dos anos, os festejos em torno dessa data perderam força em meio ao preconceito, intolerância, desconhecimento e a falta de incentivo do poder público. Este ano, graças à lei municipal n°1.962/2019, de autoria do vereador Divino Felizardo, Iemanjá voltou a ser celebrada, com cortejo, apresentações culturais e as tradicionais oferendas.
O evento teve início com um grande cortejo de fiéis e simpatizantes que saiu do bairro Jardim Manguinhos, seguindo pelas principais ruas da cidade e terminando no calçadão da Praia Formosa, onde foi montado um grande palco para o público receber as apresentações dos grupos e templos convidados.
A PMC foi responsável pelo apoio logístico do evento, disponibilizando a estrutura de palco, sonorização, transporte das imagens, transporte dos fiéis vindo dos templos, aluguel do catamarã, além de ter proporcionado segurança, cobertura do evento e controle do tráfego. Depois de participar de todo cortejo e ainda prestigiar a festa na Praia Formosa, a primeira dama do Município, Daniella Ronconi, pregou a palavra de ordem que resume esse momento: respeito.
“Temos uma honra muito grande de estar participando da gestão do nosso município nesse novo momento. Estamos aqui, juntos, para renovar uma mensagem de paz e de amor, além de promover o resgate das tradições culturais e religiosas da cidade. Tudo isso vem de Deus e merece o nosso respeito. Os organizadores desse evento têm nosso apoio e dão um importante recado: aqui em Cabedelo não tem espaço para intolerância ou discriminação!”.
De acordo com um dos organizadores do evento, Willams da Penha, também coordenador do Fórum Municipal pela Diversidade Religiosa, o culto dos povos de matrizes africanas tem um significado especial para o povo cabedelense.
“Esses festejos deixaram de ser realizados por atos de intolerância religiosa e até de racismo. Por isso, a retomada disso representa uma conquista social muito importante apoiada pela Prefeitura de Cabedelo. O Fórum também teve um papel fundamental na articulação do evento para que o povo de matriz afro se liberte, se fortaleça e volte a cultuar sua fé. É preciso também que haja mais união daqui pra frente”, enfatizou Willams.
Templos convidados – Na volta das comemorações da festa de Iemanjá na Praia Formosa, participaram 4 grupos de fiéis vindos de diversas localidades: Ilê Asé Casa de Yemanja Ogunte do Pai de santo Jeu, do bairro Salinas Ribamar; Ilê Asé Oya Guerê da Mãe de santo Anita, do bairro de Jacaré; Templo de Umbanda Ogun Beira Mar do pai de santo Ronaldo, do Jardim Manguinhos; a Tenda de Yemanja Ogunte de Doné Graça de Yemanja Ogunte, do bairro do Poço; e Casa de Oiá Guirê da cidade de Pai Pedrinho, de Bayeux, junto com irmãos ogans e equedes. Ao término das manifestações religiosas realizadas em frente ao palco, os grupos carregaram as oferendas até um grande catamarã que foi levá-las para serem lançadas ao mar.
Mãe Graça, do bairro do Poço, estava muito emocionada, pois a saída do cortejo foi de frente à casa de sua mãe, no bairro do Jardim Manguinhos, onde a saudosa Maria Tigela conduzia as atividades do Templo de Umbanda Caboclo Tupi e onde foi homenageada a sua ancestralidade.
“Minha mãe viveu por muitos anos nessas celebrações na beira da praia numa época em que existia mais respeito. Tudo isso havia acabado, mas, após dez anos, estamos voltando novamente e tendo todo apoio da Prefeitura, depois de terem nos negado por tanto tempo. Os umbandistas e candomblecistas tinham que fazer suas festas em casa e depois levavam as oferendas para a praia. Ainda assim o faziam com medo para que ninguém visse e fizesse algum mal. Agora é uma honra! Não só pra mim, mas para todos os cabedelenses, ter uma gestão municipal que abraça a nossa causa e ainda ver a data da nossa festa virar lei. É muita felicidade. Somos vitoriosos por colocar o povo do terreiro novamente nas ruas. Temos 16 terreiros em Cabedelo, mas a gente ainda conseguiu trazer alguns para nossa festa. Durante o cortejo, tivemos uma caminhada longa pra simbolizar os dez anos que fizeram a gente se esconder, não ter coragem de expressar nossa fé”, destacou.
Uma das convidadas de honra da festa foi a sacerdotisa Doné Gisélia, da Casa de Asé Oya Onyra do Município do Conde, que elogiou a iniciativa realizada em Cabedelo e reforçou a importância da missão social desenvolvida nas religiões afrodescendentes.
“Para nós, de axé, é uma vitória estar com o povo na rua. Essa caminhada de Cabedelo é espelho para outras cidades, gostaria de fazer o mesmo no Conde. A nossa religião é composta por muitas mulheres e também tem uma diversidade grande do povo LGBT. e isso faz com que a gente lute constantemente por igualdade, contra o preconceito, contra o racismo e agora mais do que nunca contra o feminicidio. A Paraíba é um dos estados onde mais se mata mulher e a nossa religião luta sempre contra isso. Temos que vir para rua, fazer o povo ouvir nossa voz e desconstruir essa mentira de que as religião de matriz africana é do demônio. Demônios são aqueles que estão aí matando e acabando com nosso país, tirando nossos direitos, fazendo as pessoas viverem na miséria. Queremos dias melhores para o nosso povo”, concluiu Doné Gisélia.